quinta-feira, 28 de junho de 2007

Desconstrução II

Vendo aquele corpinho magro e encolhido bem na sua frente ficava difícil imaginar que um dia aquela fora a sua morada. Parecia impossível acreditar que por nove longos meses vivera ali, naquele ventre tão pequeno.
Há muito tempo não a via, mas ainda sentia o mesmo frio na barriga ao ter em si depositados aqueles olhos profundos e inquisidores.
A voz baixa, porém firme, que tantas vezes a repreendera, agora, transformada em fraco sussurro, lhe pedia ajuda. Energia, vigor, em segundos desmoronam, escoando em pranto desesperado. A angústia da incompreensão, a mágoa da memória de tantos erros. A ira, seu bom e velho escudo, estava largada num canto, empoeirada, inválida, tão inútil se tornara.
Sob aquela luz branca de fim de tarde, o rosto ainda mais magro, ainda mais pálido, implorava-lhe uma mentira doce.
Deus, como quis essa mentira!
Como quis ver o sol nascer, banhar-se com seus sais, degustar seu tempero, erguer a cabeça e sorrir diante dos olhos claros de inveja. Como quis cores caras na face pura, salto alto sem tropeços, e aquela seda tão fresca, tão suave sobre o corpo.
Tanto quis mas estava ali, o frio percorrendo a espinha, as mãos suadas escondendo o esmalte por fazer. Estava ali esperando o não que lhe devolveria a vida. Tanto que, entre soluços gritados, mal ouviu o sim.
Dava para ver a súplica nos seus olhos, e doía-lhe saber que mais uma vez não faria a sua vontade. Temia o amanhã, temia ouvir o que não queria, mas não podia fugir do sim.
É dura a queda da fantasia. Aqui embaixo tem barulho, tem sujeira, sangue, lágrimas, dor... Mas ela caiu, e não sem apoio, se reergueu. Deixando visível a fraqueza tão manjada, ela levanta a cabeça aos poucos e os olhares se encontram.
Uma vida guerreada perdeu momentaneamente o sentido, pois tudo o que as afastava, agora as aproximava. E aproximava tanto que o mesmo som podia ser ouvido, o mesmo ar era o que enchia seus pulmões e dava forças. Nunca pensou descobrir ali a certeza do que sempre negou. E não havia como fugir, fingir... era um fim sem retrocesso: naquele momento, viram-se uma, e apenas uma seriam, enquanto os olhos estivessem abertos.
Mas os olhos sempre se fecham.
Os momentos sempre acabam.

Um comentário:

Maikel De Abreu disse...

E preciso te emprestar menina? Acho que não... Vc já tem...
Parabéns por esse texto.
Que esses feelings pesados sejam nossos libertadores,...
Abraços.