domingo, 30 de setembro de 2007

Leve o tempo

Abra os olhos e não me procure.
Seja para quem for, seja para ninguém. Não estarei aqui quando acordar...
Não sei onde posso estar, mas é longe, longe demais de tudo, longe demais de mim.
Onde estou há uma brisa fresca. Não está chovendo, mas sinto gotas de água limpa caindo no meu rosto.
Sob os pés, chão suave e macio, posso estar flutuando...

Aqui o ar é puro e posso respirar profundo sem o peso grotesco e pegajoso que me cola à pele.
Aqui estou limpa e meu corpo sente a luz.

Abra os olhos e sinta o dia chegar. Apenas por saber que ele logo se vai, mas que mesmo assim deseja ver teus olhos mais essa vez.
Toque os lençóis e sinta como é leve... E leve solta, leve folha que tomada pelo vento como a brincar jamais toca o chão.

Leve o tempo que for, deixe-se levar...

No fim do dia, posso estar de volta depois que seus olhos fecharem.
Mas pela manhã, ao acordar, não espere me ver lá.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Instante eterno

As lágrimas estão lá o tempo todo, apenas aguardando um motivo para cair...
Talvez porque a dor seja sempre mais forte do que os momentos de felicidade tão breves. Estes de vez em quando até enganam. Aparecem de repente afastando qualquer nuvem e tão rápido como surgem, lá se vão em poucos instantes, deixando apenas um leve gosto na boca.
Ilusória comparsa... só se percebe a luz quando há escuridão.
Ainda que não se deseje alcançá-la, mesmo assim não se tenta evitá-la. E a todo momento ela se percebe naquele lugar: à sua frente, um imenso vazio; às suas costas, chão a perder de vista. "Junto ao precipício só vai quem vai além". É sua mente cantarolando em tom ameaçador e convidativo.
E de fato ela sempre vai além. E agora é isso que resta, uma tentativa vã de afogar o soluço e a sensação de que não se sabe o por quê. O que se sabe apenas é que, por mais que se vá, sempre haverão outros precipícios...
Afinal, tudo é tão claro e se passar um dia ou dois, nem sequer se lembrará o quão profunda é a cova. Mas no momento é só a dor tentando provar que sempre está lá, não importa para onde se vai, para onde se olha. Cruel amiga inseparável que se faz lembrar a todo instante através das pedras que ela insiste em chutar, mesmo sabendo que os pés podem sangrar.
Pois chega uma hora em que não há mais o que largar, então se abandona a si mesmo. E mesmo assim, lá estará ela... Imortal inabalável, sedutora melancolia que tantas vezes fez-se de falsa desculpa, agora tão concreta realidade.
Então ela dormirá o tempo que for preciso, e quando acordar, espera não descobrir que cavou tão fundo a ponto de não saber mais como sair.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

De onde vem a força

Venha aqui e mostre tua força, sei que é disso que gosta. Teu olho de caçador detecta meu medo e se diverte. Para ti sou bola de lã, sou inseto indefeso, geléia não tóxica.
Venha e aproveite, vês como sou vulnerável?
Venha, pergunte o que quiser, sempre direi o que espera. Não te chocarei, não te surpreenderei. Pois na mesma proporção em que cresce meu ódio, cresce minha dependência.
Estou presa a ti, na verdade sempre estive. Já nasci com a tua mão agarrada ao meu braço, controlando meu pulso, sugando meu sangue.
Pois eu digo que agora podes vir e fazer o que sempre fez, não vou apresentar resistência, tenho preguiça de lutar.
Venha, chegue perto, aponte teu dedo no meu rosto quando este te parecer erguido demais. Sei que o que tu quer é que eu baixe meus olhos, veja a sujeira dos teus sapatos e me apresse em limpá-los.
Venha e dite tuas ordens absurdas. Mande-me fazer e desfazer por capricho. Eu sei disso, mas farei mesmo assim.
Pois é tu quem decide o que eu como, onde eu durmo e com quem. És tu quem governa e controla meus ímpetos, e grita mais alto quando tento ir além do sussurro.
Venha, fale o que quiser, tu estarás sempre certo. O não travará na garganta, pois verei a chama nos teus olhos lá no alto e não ousarei soltá-lo.
Venha e se aposse da minha sobrevida, eu a tenho somente para ti.
Há tempos não uso relógio, pois sei que a hora certa é a tua. Há tempos não preciso pensar, minhas idéias não valeriam de nada diante de uma ordem tua.
Pois então venha e ordene meus movimentos, eu os podarei e somente guiarei minhas pernas para onde disseres que devo ir. E não desejarei mais o próximo céu, não tentarei pular os muros, pois provei a tua ira e aprendi a lição.
Não sonharei mais quando dormir, tu me ensinaste a acordar antes. E hoje minha mente é tua, me digas o que pensar, e assim o farei quando mandar.
Mas quando te cansar de mim, quando não lhe for mais útil... lembra-te de me jogar num lugar limpo, onde eu possa reconhecer meus pedaços e tentar juntá-los.