terça-feira, 3 de julho de 2007

Sua miséria

A cena mais parecia uma pintura. Não por ser bela, muito menos harmoniosa. Era estática, imóvel. Nem mesmo a brisa da pequena janela ao lado ousava intrometer-se naquele campo de inércia absoluta.
Silêncio, prateleiras, mesa, livros, pilhas deles. Parecia-lhe o lugar ideal. Nenhum ser vivo por perto. Nem mesmo ela, a julgar pela aparência pálida e rosto inexpressivo. A página era a mesma há 10 minutos. Aliás, era a mesma todos os dias, por mais de um ano. Não porque ela não gostasse de ler. Isso ela gostava muito. E não também por já ter lido aquele livro tantas vezes. Ela apenas não queria. Não queria movimentar os olhos, nem a mente. Aquele álibi, nem tão seguro, mas único disponível, a mantinha longe, e era isso que importava. Longe para não falar, tão pouco ouvir.
Os raros minutos de mórbida paz davam-lhe coragem para as horas seguintes e a livravam das horas anteriores. Logo, logo, teria que retornar aos murmúrios, aos indicadores disfarçados, às interrupções nervosas ao som dos seus passos.
Retornaria ao mundo do riso de escárnio, lixo e veneno sórdido. Havia tanto vidro que mal ousava pisar, temia trincar. Obrigava-se a encarar. Via podridão em todo lugar, mas muitas vezes pensava se não eram seus olhos. Vergonhas e despudores brotavam das rachaduras daquela estrutura tão velha, muitas vezes pensava se não eram pensamentos seus. Lá fora, ela era sombra, num esforço dolorido de fazer-se nula. Não baixava os olhos, não reduzia o ritmo, não agredia, não gritava. Aliás, nem falava. Em ódio silencioso, sua vida inteira reduzida a um motivo zero. E ainda assim era tanto motivo!
Talvez na extrema força em fazer-se ar, acabava por tornar-se vento.
Não queria ser sentida, não queria ser pensada, não queria ser medida e muito, muito menos notada. Quisera ela não ser vivida.
Mas o rosto ainda esquentava, as pernas ainda tremiam, as mãos ainda suavam e a mente... inferno, como essa mente pensava!
Não calar a mente era a sua miséria, pois só nela ainda insistia e existia.

Um comentário:

Alex disse...

Tirei um tempo pra ler hj amore. Não sou um exemplo de leitor fanático mas curti teus textos. Só falta aquela declaração de amor a minha pessoa agora hehehe MUAH!!!