quinta-feira, 5 de julho de 2007

Uma última chance

O ambiente estava um pouco escuro, é verdade. Mas seus olhos se acostumavam rápido com a penumbra. A fraca luz da lua que espiava tímida pela janela até a favorecia. Sorriu um pouco com esse pensamento, mas o triste movimento dos lábios logo se desfez quando seus olhos cruzaram com aquela imagem refletida no espelho.
Ela se aproximou devagar, temendo que os estalos do chão de madeira acordassem alguém. Era muito tarde e a paz daquela casa a tomava de inveja. Torturava-se ao imaginar que todos dormiam tão serenos enquanto seus pesadelos teimavam em expulsar-lhe da cama.
Naquele momento era só ela. Mas não estava só realmente. Havia aquela imagem pálida à sua frente, cercada por fantasmas a lhe observar com tanto desprezo que chegava a lhe causar náuseas – podia até mesmo sentir seu gosto.
Sentiu pontadas na boca do estômago e instintivamente curvou-se para frente. Seu cérebro tentava enviar a mensagem, mas com persistência ela bloqueava o caminho. Tentação. Sua mente apelava, gritava. Mas ela, suando frio, tampava os ouvidos. O vulto branco suplicava, e ela calava-o com ódio. Resista.
Precisava dormir. Só o sono profundo afugentaria todas aquelas vozes. Mas as pontadas, cada vez mais fortes, insistiam em manter-lhe desperta. Cambaleando, vestiu-se do jeito que pôde e foi até a varanda. Encolheu-se na cadeira tentando controlar o frio que se tornara tão constante nos últimos meses. Tirou um cigarro do bolso e precisou apoiar os cotovelos para conseguir acendê-lo. Tragou profunda e lentamente, na esperança de calar a fome que corroía e manchava sua cor.
As lágrimas caíam livres pelo rosto marcado, umedecendo a pele ressecada. Ultimamente chorar era a única coisa que tinha forças para fazer. E aquela dor absurda não a abandonava nunca... sabia que ela lhe conduziria para o fim.
Involuntariamente sua mão tentou encontrar calor em seu colo. Como viciados a procura da sua morte, os dedos pressionavam a cintura em busca de sinais e corriam para lhe contar: “Isso está horrível, pode fazer melhor!” E ela obedecia.
Ela não via beleza, não tinha vaidades. Sua mente só via números. Precisava encontrar a equação perfeita. Precisava derrubar todos aqueles números, reduzí-los a zero! Talvez depois do zero tivesse um pouco de paz...
Engasgou-se com a fumaça seca do cigarro e automaticamente foi até o banheiro beber um gole d'água da pia. Hábito de menina. Foi aí que sua mente a traiu. Sentiu sua fragilidade e ordenou sua boca a beber dois, três, sete goles desesperados. Ao perceber, em pânico, ela teve ânsias. Com o dedo na garganta, ela tentou expulsar o inimigo. Precisava livrar-se daquilo, não podia permitir que um estranho tomasse conta do seu corpo e fizesse dele o que bem quisesse. O estômago, vazio e fraco, obedeceu em socos.
Sem controle, o único som que seu corpo emitiu foi do baque dos joelhos magros contra o piso.
O barulho despertou a alma cega no quarto ao lado, que levantou com o coração aos pulos. Já sabia o que iria encontrar. Parada na porta do banheiro, ela viu aquele corpo imóvel no chão e então percebeu que não tinha para onde fugir.
Era hora de acordar.

Um comentário:

Maikel De Abreu disse...

É...a pungência da qual sou fã...
Tu sabes, que andei lendo Clarah Averbuck e achei que vc dá um baile nela.