quinta-feira, 19 de julho de 2007

Tiro certo

Embalado pelo primeiro tapa no bumbum, o jovem casal chorou sorrindo. E com o mesmo sorriso salgado o pai pôde ouvir os primeiros sons daquele que seria a sua parte no mundo. Sua chance de glória, a vitória que esconderia sua história.
Aquele pequeno ser era a sua grande desculpa. O tapete persa a esconder sua sujeira.
Depois de 22 anos ouvindo essa história, o garoto ainda tentava ligar os pontos. Sabia, mas não aceitava a bola de ferro que tanto lhe pesava os passos. Dia-a-dia tentava apagar com álcool a tinta das linhas há tanto traçadas, mas tudo o que conseguia era fazer um borrão. E dia-a-dia a mancha aumentava tomando formas cada vez mais difíceis de modelar.
Invejava a infelicidade dos poetas, pois dela faziam rima, e por ela alguém sorria... amava. A sua era real. Não tinha graça, não tinha encanto. Ninguém se recostava numa poltrona macia para sonhar com as suas lamúrias.
E se fosse só por falta de talento, ainda assim o seu lamento poderia confortar. Mas aquela dor era ácida, fantasiada de ódio pulsante, lhe fervia as têmporas e escurecia seu mundo cada vez mais.
E não tinha conserto, não tinha palavras para a falta de ser. Pois mesmo sem ver ele sabia que era dele a desgraça. Uma culpa cultivada na infância que cresceu forte e criou raízes. Planta regada nos templos, cortejada pelos mantos, enobrecida pelo ouro de uma conquista sangrenta. Não sabia e nem poderia arrancar do corpo aquela imagem voraz, marcada como tatuagem, que lhe indicava os caminhos de volta para a casa que sempre deveria ser sua.
Mas ele não entendia as coordenadas e insistia em se perder. E perdido estava ainda mais em casa, mesmo que tantas vezes esse teto tenha tentado se romper.
Negava o luxo, apagava o fogo, destruía as porcelanas decoradas com suas iniciais. Pois era no chão duro e frio que conseguia ouvir seu coração bater. Era na embriaguez que sentia o sangue correr.
Não desperdiçaria mais lágrimas pelas pérolas que se espalhavam no chão. Não colecionaria rugas pelas somas intermináveis. Não puxaria o gatilho por aquele que não soube recomeçar.
Choraria agora pelos amores perdidos. Envelheceria sim, mas pela doença da crença.
A última bala falaria por si.

Um comentário:

Maikel De Abreu disse...

Ui,... Rolou uma ID.
Legal.
Abraços.