quarta-feira, 20 de junho de 2007

O filho de Ninguém

- O duro mesmo é nunca começar.
Ele falava quase num soco, como se tossisse as palavras. Na verdade, muita gente achava é que ele tossia mesmo. Mas eu sempre entendia.
Aquele momento, eu e ele sentados ali – seu braço marcado apoiado no meu ombro, curvado até sentir os ralos fios já grisalhos da barba roçando no joelho – já acontecera muitas vezes. Eram tantas... mas nunca cansava.
Meu pai não era um homem sábio, não era carinhoso, mas nem severo. Nem divertido, nem dramático. Apenas era.
Chamava-o de pai, não por convenção. Acontece que aquele velho não tinha nome mesmo. Chamavam-no de Ninguém.
- Ô pai, mas como é o seu nome? Fala pra mim! - Perguntei não sei quantas vezes.
- Esquece isso moleque! Sou seu pai, não precisa me chamar.
E não precisava mesmo, ele sempre estava lá.
E foi dias depois, vendo Ninguém no caixão, que eu percebi que precisava começar. Eu era Alguém, filho de Ninguém, e Meu Mundo tinha que saber.
Mas Meu Mundo era de ferro, e só no ferro ele ia se moldar. Lembro disso enquanto acaricio o cano opaco e sujo de pólvora que eu nem mais me animava em limpar.
No meu mundo, minha arma é meu dinheiro, meu respeito, minha amante, meu escudo e minha honra. Minha arma é meu valor.
Não há deus que me diga que aqueles animais são meus irmãos. Que aquela vida era para ser minha e que aquela mão era para me salvar.
Que não me digam que há moral, que há verde, que há ouro; pois eu digo que já cavei, já plantei e já orei.
Que não digam que eu vendo o ódio. Nem conheço tal mistério! Apenas vivo, nem sempre vivo, mas sempre começo.
Na minha mira já vi de tudo, e agora, corpo farto de saber, vejo que nem sequer sei ser.
Ah, Ninguém! Se estava certo, me diz agora: para quem eu sou alguém?
Se a razão é quem governa, se o orgulho só me basta, sou, pois, alguém para mim. Pois para tantos não me interessa... se no Meu Mundo eu não tenho mais Ninguém.

9 comentários:

Unknown disse...

PU-TA-QUE-O-PA-RIU!!!! Levei um super soco no estômago! Esse texto me fez pensar em como a gente se acomoda e, muitas vezes, se anula na vida...Puts! Será que era essa a mensagem? Bom, de qualquer maneira tô super orgulhosa..."Sherman, Sherman, Sherman"!

Julia Assef disse...

que linda!
saudade de ti

Maurício Alejándro Kehrwald disse...

Bah, sensacional. Só isso.

Maikel De Abreu disse...

Punk. Tem elementos que gosto muito. Dá pra ver q vc terá um bom futuro fazendo isso...
É isso aí pequena. Coloquei o link em nosso blog. Não só pq te conheço, mas por serem muito bons esses textos.
Bjos pequena, te cuida aí.

Anônimo disse...

Mas bah tchê!!!! Não, não comecei a falar assim agora. [rssss] è só para vc não esquecer dessa terrinha aqui e dizer q o texto ficou muito afudê! Lindo!
Saudades das suas palavras ditas em tempo real num presente que não existe.
Te amo tu.
Sempre mais.

Anônimo disse...

opssssssssss escolhe um dos dois.... não sabia q isso precisava de aprovação :/

Anônimo disse...

posso te escrever um monte??? :)

Anônimo disse...

Tá!!! Não aceita todos!!!! hehehe
amo. ;)

Adele Corners disse...

Ai como amo ler tuas coisas, Alma Gêmea! Amo!!