segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Cacos de risos

E quem é que pode dizer que isso não é perfeito... Quem mais pode dizer o que devia ou não ter sido feito?
Por mais que ela tentasse, não conseguia ler aquela imagem. Não conseguia traduzir os lábios ressecados, dentes escurecidos expostos, forçando um sorriso tão obscuro.
Quando se sorri, se sorri com os olhos, pois o que se deixa sorrir é o corpo inteiro. Mas o que ela via era uma paródia grotesca de momentos que já se foram, partes tão puras de coisas que poderiam ter sido.
Fechou os olhos, respirou fundo. Mais uma tentativa. Mas não, não existia alegria ali. Não que ela não soubesse disso, apenas acreditava que lá no fundo, bem no fundo, se fizesse muita força, conseguiria resgatar o brilho quase apagado. Aquele que foi seu sol por tantos dias. Que envolvia o mundo numa cor suave e perfumada, hoje transformada em nada.
Tudo isso vinha dela, por isso agora se esvaía tão rápido quanto a água no ralo. E deixava-se congelar depois de um banho quente, vendo sua pele ficar tão fina e tão frágil que podia moldar-se como vidro, antes que inevitavelmente resfriasse e se enrijecesse em uma forma absurda e confusa.
E que depois de pronta, quebraria-se novamente, pois não aceitava-se a mesma até o fim. E a cada tentativa, perdia uma parte de si... deixava-a para trás e seguia um pouco menor, um pouco mais fraca, um pouco menos valiosa.
E quem aqui é alguém o suficiente para enxergar através desse sorriso... Quem é capaz de perceber que aquele brilho no olhar não é senão uma lágrima preguiçosa que desistiu de dar seu salto?
Gostava de testar seu rosto diante do espelho. Desafiava-o a mostrar o que jamais existiu. E talvez às vezes ele tenha vencido. Ou quem sabe foram os outros que não mereceram, na condição de júri, o benefício da resposta.
Confiante nisso, ela ensaia sorrisos toda noite, para que eles estejam bem seguros amanhã e garantam a paz daqueles que não souberam compreender seus lábios.
Mas um dia essa paz não lhe interessará mais... E em frente ao espelho ela ficará horas descobrindo um novo movimento, quem sabe esse possa ser lido.

Um comentário:

José Martim disse...

Entre a vida e o espírito, a Vivian caminha investigando o exercício do viver, do ser ser humano. Emerge um texto urgente e arrebatador; causa um pequeno terremoto dentro de nós: metamorfoses. Um grande beijo, Zé, nessa vida.