quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Retalhos

O tempo passava e ele já não tolerava mais ver sua imagem refletida na janela à sua frente. Não importava para onde olhasse, sempre acabava fitando aquele rosto sem vida, pele ressecada do frio, olheiras permanentes, o cabelo parecia imundo, apesar de ter lavado naquela mesma manhã. Não suportava mais ver aquela combinação de camisa xadrez e calça jeans desbotada.
Ao analisar aquela figura magra, sentada sem postura nenhuma, ocorria-lhe a figura de um adolescente. Sim, era isso que o incomodava tanto. Parecia exatamente com um garoto de dezesseis anos, revoltado, na espera da sala do diretor, chamado mais uma vez por um ato de indisciplina na escola.
Perdido naqueles pensamentos sem qualquer finalidade, ele nem mais percebia o corre-corre dos médicos e enfermeiras à sua frente. Algumas horas atrás, estava mais para um repórter de fofocas, correndo desesperado atrás de cada indivíduo de avental branco que surgisse no corredor. Mas agora estava inerte. Seu corpo já não se mexia há algum tempo e ele chegou a pensar que poderia ter solidificado seus pés no chão.
Mais algumas pessoas passaram por ele, enquanto sua mente retrocedia lembrando das músicas que tanto ouvira na sua juventude. As letras eram sempre um reflexo do que ele sentia na época. Por isso, cada música marca uma fase de sua vida. Como um hino. Um hino em memória a um período confuso, crítico e totalmente improdutivo da vida de um garoto de classe média que não queria absolutamente nada com coisa nenhuma.
E foi essa cena que Dr. S. viu quando entrou na ala da maternidade da Santa Casa. Um homem em torno dos cinqüenta, cabelos grisalhos nas têmporas, algumas linhas marcadas no rosto pelas preocupações da profissão. No entanto, a imagem geral era muito jovial. Corpo em forma, olhos de um cinza-claro que lembravam muito bem os dias nublados de inverno. Impecável no seu jaleco, ele foi se aproximando do homem que estava sentado desajeitadamente no banco do corredor, recusando a hospitalidade da casa que oferecia uma ampla sala de espera logo adiante.
- Com a sua licença Sr. J., sou o médico responsável pela internação da sua esposa.
Aguardou uns instantes para que o jovem à sua frente voltasse à Terra.
- Aham... – respondeu J. ainda distraído.

Como nuvem disperso e transformo... em formas que longe vão...

- O médico limpou a garganta e se movimentou desconfortável, tentando reaver a postura.
Devo informar-lhe que ela está passando bem no momento. Dentro de algumas horas o senhor poderá até mesmo fazer-lhe uma visita.

Tão longe posso chegar... não há potes de ouro no fim...

- Assim, acho que seria bom o senhor aproveitar o momento para comer alguma coisa, reanimar o corpo. O nervosismo provoca muito cansaço físico. – prosseguiu o médico.
- Tudo bem... – foi o que conseguiu pronunciar... Agora não fazia mais diferença.

Fica na memória... não morre... se faz fumaça e paira no ar...

9 comentários:

O Profeta disse...

Às vezes bate mais o coração, bate forte ao compasso de um olhar…
Às vezes a paixão sobe alto e confunde-se com o azul…

Bom fim de semana


Terno beijo

Unknown disse...

Eeeeee, finalmente...viu como acompanho?Inclusive a primeira a comentar!!!Beijokas!!Parabens...

Cássia disse...

Que bonito...
Lendo seu texto, percebi o quanto ficamos de certa forma mais inteligentes hahaha. Vemos a vida e os problemas com outros olhos, a memória funciona tão bem... lembramos de coisas que já aconteceram há tempos e não demos tanta importância, e até entendemos as letras das músicas que escutamos.
Como vc disse no final, esses momentos de nervosismo que lembramos de muitas coisas, ficam na memória, sempre nos lembramos deles.
Perfeito... achei perfeito.
Já virei sua fã hahahahahaha

Maikel De Abreu disse...

há tempos não passo por aki...
Gostado!!!!

Julia Assef disse...

sou eu o J? Me fala!!!!
Sou eu???
heheheheh
te amooooo

Julia Assef disse...

sou eu o J? me diz, sou eu??????
saudade de ti. te amo

Anônimo disse...

Queria comentar a publicação anterior com atraso ... rs

Muito gostoso seu jeito de escrever. Parece uma conversa informal, um bate-papo casual, um relato enquanto espera-se o ônibus no ponto. Gostei mesmo do texto "Anos noventa ou rotas alteradas".

Aaa ... e sobre "temos que aprender a fabricar nossa própria cerveja!", vide uma matéria na Folha sobre o FREE BEER do coletivo dinamarquês SUPERFLEX em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u349036.shtml

ou acesse o site oficial do coletivo:

http://www.superflex.net/


Enquanto nós não aprendemos a fazer nossas próprias cervejas, eles de fora vem aqui tentar nos ensinar como ... rsrsr

Beijos, abraços e fiquem com Deus, Vivis =*** []s

Carinhosa e atenciosamente,

Davi
http://daviflores.wordpress.com

Nana disse...

Esse texto me fez ter recordações muito ruins :(
Mas adoro o jeito q voce escreve.
Bjs!

Professor Thiago Bach disse...

ÓTIMOS TEXTOS, LEMBREI DO CAIO F. ABREU, ESPECIALMENTE O "INSTANTE ETERNO", PENSO QUE A TRISTEZA AO CONTRÁRIO DA ALEGRIA É CONCRETA, É POÉTICA, A REFLEXÃO ESTÁ NA TRISTEZA CÂNDIDA.
BEIJO